«Somos uma espécie de médicas mas que prescrevem livros»
Sabia que o livro Shantaram, de Gregory David Roberts, ajuda a acabar com prisão de ventre? Ou que a melhor forma de combater uma insónia é através da leitura d’A Casa do Sono, de Jonathan Coe? Ou ainda que a dor de cabeça pode ter solução com Os Fidalgos da Casa Mourisca, de Júlio Dinis? Estes e muitos outros problemas, e respetivas curas, todas em forma de livro, estão descritos em Remédios Literários, uma obra que resume a prática de duas biblioterapeutas britânicas, Ella Berthoud e Susan Elerkin. O Destak esteve à conversa com a primeira, que explica como é que os livros são capazes de nos curar.
De onde veio a ideia de curar através dos livros?
Eu e a minha amiga Susan Elderkin andávamos juntas na universidade e quando uma de nós tinha um problema, fosse um desgosto amoroso, a preocupação com o futuro ou dificuldades com um exame, dávamos sempre uma à outra um romance. Líamos o livro e sentíamo-nos bem. Ao longo dos anos fomos fazendo cada vez mais isso, percebemos que funcionava e falámos sobre como seria bom sermos ‘médicas de livros’. Recentemente começámos a atender pessoas, a fazer sessões, como as de um terapeuta, em que somos as ‘médicas’ e ‘prescrevemos’ livros para ajudar as pessoas.
Como é que funcionam estas sessões de biblioterapia?
Damos às pessoas um questionário sobre o que gostam de ler, como é a vida naquele momento, se são casados, se têm crianças, se têm coisas que os preocupam, quais os livros que costumam ler. Depois casamos as duas coisas, a vida e a leitura, e tendo percebido o que se passa – por exemplo, se estão a mudar de carreira, se vão ter um filho, se querem viajar à volta do mundo ou se alguém que amavam morreu –, prescrevemos uma receita de seis livros para ajudar naquele momento das suas vidas. Às vezes são fases difíceis, outras não há problema nenhum, mas as pessoas apenas estão interessadas na leitura, a quem alargamos os horizontes de leitura. De certa forma somos bibliotecárias que recomendam livros.
E tratam apenas de problemas do foro emocional?
Também lidamos com problemas físicos, mas numa perspetiva lúdica, de forma metafórica. Por exemplo, para curar os soluços sugerimos uma lista de livros capazes de assustar. Mas quando são problemas físicos não conseguimos dar garantia de eficácia.
Agora decidiram escrever um livro com todos esses ‘remédios’. Porquê?
Há quatro anos que temos o nosso ‘consultório’ e porque vimos muita gente durante esse tempo, cerca de três mil pessoas, percebemos que há livros que funcionam melhor que outros como cura e criámos a nossa base de dados. E foi assim que tudo começou. São dezenas e dezenas de livros que servem de receita para muitos problemas.
Leram-nos todos?
Sim. Fizemos questão para saber o que estamos a prescrever. Com tanto livro lido, consegue escolher o preferido? É muito difícil, mas há uma mão cheia que prescrevo mais. O Bel Canto, de Ann Patchett, um livro fantástico para questões do amor, morte, coração partido; o Jitterbug Perfume, de Tom Robbins, que tem a cura para o medo de envelhecer e o Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, que é um livro fantástico para o medo do compromisso.
Quais são os problemas que mais levam as pessoas a procurar a vossa ajuda?
Os mais comuns têm a ver com o amor e com os relacionamentos, mas também temos pessoas que estão numa encruzilhada nas suas carreiras, que vão ser pais ou que acabaram de ter um filho, muita gente que se está a reformar e não sabe o que fazer com o resto das suas vidas...

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